Memórias da FACOM
Capítulo 1 — O “embrião”

Em 2017, a Faculdade de Comunicação da UFBA comemorava seus 30 anos e, entre parabenizações e celebrações, a pergunta de Bárbara representou outras dúvidas similares que surgiram nesse momento: “eu sou formada há mais de 35 anos na FACOM. Como ela completa hoje 30 anos?”. A Faculdade, apesar de naquele momento ser uma jovem adulta, já tinha uma longa história de lutas e superações — precisamente 67 anos desde que concebido seu embrião na década de 1950, com a formação da primeira turma do pioneiro curso de Jornalismo da Bahia. 

“O curso da década de 1950, fundado ainda na Faculdade de Filosofia da UFBA, não teve êxito”

Capitaneado pelo jornalista e político baiano Clemente Mariani Bittencourt durante o reitorado de Edgard Santos, o bacharelado de Jornalismo era, àquela época, o terceiro do país. Até então, as redações de jornal eram os principais locais de aprendizagem do ofício, o que, junto com o rápido crescimento da universidade baiana, justificou a criação da graduação. As aulas eram dadas na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, como exigia a legislação da época.


Ao lado de professores de outras graduações, o recém-criado bacharelado contou com mestres das redações baianas, como Jorge Calmon, e chamou a atenção de jornalistas já atuantes e interessados em validar o conhecimento com o título de bacharel, assim como profissionais de outras áreas. No entanto, a graduação em Jornalismo encerrou com a mesma rapidez com que foi criada. “O curso da década de 1950, fundado ainda na Faculdade de Filosofia da UFBA, não teve êxito. A última turma encerrou em 1958, formando um único jornalista profissional diplomado”, relatou Florisvaldo Mattos, à época jornalista e, anos depois, membro da equipe fundadora do curso que seria criado em 1962, após frustrada a iniciativa original. 

Novo Começo

Conta Florisvaldo Mattos que em 1961 iniciou-se a movimentação para fundar um novo curso de Jornalismo da Bahia, dessa vez em um contexto mais favorável, ligado ao debate sobre a regulamentação da profissão. O convite foi feito pelo próprio Jorge Calmon, um dos fundadores da primeira graduação extinta em 1958. “O curso de Jornalismo começou, de fato, em 1962, e veio como uma maneira de cobrir a falência do curso que ficou instalado em 1950, com apenas um formando”, explica Florisvaldo Mattos. “Mas dessa vez, nove anos depois, já entrava em uma nova mentalidade — inclusive da Universidade Federal da Bahia —, que era o grande salto que representou a reforma da universidade. A reforma de Edgard Santos criou novas escolas, reformou as existentes como a de Belas Artes, e incorporou novos cursos à Faculdade de Filosofia, como Sociologia e Antropologia”, descreve Mattos. 


As aulas aconteciam à tarde, nos fundos da Faculdade de Filosofia, em Nazaré, prédio em que hoje funciona o Ministério Público do Estado da Bahia e onde funcionavam outros cursos como o de Matemática e Física. Othon Jambeiro, aluno da segunda turma formada pelo bacharelado, explica que até então, pouca gente sabia da existência do curso de Jornalismo. “Minha turma era muito pequena, o curso era pouquíssimo conhecido. Na verdade, nós, os aprovados, fomos cinco ou seis, não mais do que isso”, lembra Jambeiro. “O curso tinha duração de três anos e, como todos os outros da universidade, era anual, não semestral”, descreve.

Faculdade de Filosofia em 1962

1962

Faculdade de Filosofia, bairro de Nazaré

2021

Ministério Público da Bahia, bairro de Nazaré

A formação-base era dada por meio de aulas com conteúdos ligados à Sociologia, às Artes e a Cultura. Ministrava-se, também, conteúdos de História, Geografia e Português. Aluno do curso entre 1964 e 1966 e professor a partir de 1968, Jambeiro presenciou desafios e privilégios de aprender e ensinar no pioneiro curso baiano. “Havia uma formação geral, que naturalmente era sala de aula, e tínhamos aulas profissionalizantes em sala de aula mesmo, porque não havia tecnologia a não ser a máquina de escrever. O curso, inclusive, tinha uma disciplina interessante que era a de datilografia, em que se aprendia não só a datilografar, como a montar e a desmontar a máquina datilográfica”, relembra.


Para além da sala de aula, o aprendizado se estendia. A convivência na Faculdade de Filosofia entre pessoas de formações e pensamentos diversos favorecia uma formação muito mais que acadêmica. “Era uma miniuniversidade. Embora chamada Faculdade de Filosofia, era nela que se formavam matemáticos, físicos, químicos, biólogos, filósofos, sociólogos, antropólogos e jornalistas. Foi uma experiência muito rica. Havia muita política estudantil e era também uma riqueza em termos de trocas com o sexo feminino, já que era um ambiente com muitas mulheres”, descreve Othon Jambeiro. 


Ensino e Jornalismo baiano

Naquele início, o currículo ensinado na graduação era baseado numa espécie de Jornalismo desvinculado das técnicas e dos conhecimentos científicos mais avançados que já estavam sendo desenvolvidos no país, como explica Florisvaldo Mattos. “Eu busquei mostrar nas disciplinas que ensinei — Teorias da Comunicação, Introdução à Comunicação e Técnicas de Jornalismo Impresso — uma certa mentalidade de jornalismo moderno. Dar ênfase à escrita e à técnica de escrita. Porque, naquele momento, ainda prevalecia na Bahia um certo gosto por não trabalhar a notícia diretamente na narrativa do fato”, exemplifica.

Othon Jambeiro lembra que esse caráter técnico e profissional do aprendizado se devia, em grande parte, ao corpo docente e à influência do jornalismo internacional, em especial o estadunidense. “Aprendíamos a redigir editoriais, notas, reportagens, artigos… havia aulas específicas para isso. O corpo docente era bastante profissional, formado por profissionais do Jornalismo, não era um corpo docente teórico”, descreve Othon. “Essas coisas da matéria jornalística que são básicas hoje foram uma grande inovação mundial criada nos Estados Unidos e incorporada no Brasil, a partir da reforma do Jornal do Brasil em 1958”, complementa. 

“O novo Jornalismo baiano nasceu na UFBA”

Jornal do Brasil, jornal diário fundado em 1891 no Rio de Janeiro, foi o primeiro no país a avançar nesse jornalismo moderno, explica Florisvaldo Mattos. O jornalista e ex-funcionário do JB afirma que, na época, buscou implementar a mentalidade junto com outros colegas professores da graduação. “Implementamos no Jornal Laboratório o lead, o sub-lead e os subtítulos. Usando parágrafos como forma de expressar o que era narrado para o leitor e evitando as formas típicas da literatura”, descreve.

O próprio contexto histórico da Bahia e de sua capital, caracterizado pelo pleno avanço, demandava essa adaptação no jornalismo produzido nas redações e, com ele, na formação dos jornalistas da época. Contexto esse marcado pelo desenvolvimento econômico e pela industrialização — ilustrada pela criação do Centro Industrial de Aratu e do Pólo Petroquímico. Era o Jornalismo o grande divulgador desse novo ânimo que tomava conta da Bahia.


“O Jornalismo baiano testemunhou e influenciou a mentalidade que se tornou a Bahia industrial. E esse novo Jornalismo baiano nasceu na UFBA”, defende Florisvaldo. “O curso da UFBA, dentro do universo do Jornalismo, influenciou muito para que essa atividade profissional se desenvolvesse ainda mais na Bahia”, completa.